O município paraense de Colares fica em uma ilha fluvial. Para fazer a travessia do Rio Guajará-Mirim, todos dependem dos barcos. Lá, conhecemos Claudiléia, de 13 anos e já aluna do ensino médio. Ela vende frutas e bolos na balsa que faz o transporte dos automóveis. “Não tenho aula todo dia. Os professores faltam, eles não vêm. Eles não são daqui, são de Vigia, de Belém. Aí não vêm. É o mês todinho sem vir. Não tem nenhum jeito de acessar a internet aqui, nunca acessei. Sei como é, mas aqui não tem”, conta a adolescente. Perto dali, no município de Vigia, centenas de famílias de pescadores tiram o sustento do mesmo rio. A dona de casa Rosicleide Maria Vilhena cuida para que os filhos escrevam uma história diferente da dela. “Estudei até a segunda série, porque meus pais não tinham condição de botar para me educar, porque eu tinha que sair logo para trabalhar na casa dos outros. Espero que meus filhos estudem até se formar e ver o que eles querem, é o futuro deles. Às vezes, eles têm preguiça de ir para a escola, aí eu meto uns cascudinhos e eles vão”, afirma a dona de casa. Para espantar a preguiça, café e pão puro. Depois, Eduarda e Darielma caminham juntas até a escola. Elas passaram para a quinta série do ensino fundamental. As aulas são em uma escola improvisada. No barracão funcionava um salão de festas, que foi adaptado para receber os alunos. As salas foram separadas por divisórias de madeira, só que elas não chegam até o telhado. Isso quer dizer que quem se senta em uma das carteiras para estudar ouve as explicações dos professores de todas as classes ao mesmo tempo. “A gente fica muito apertado, porque as salas são coladas uma na outra”, reclama a estudante Vitória Saldanha Moraes, de 9 anos. “Você viu como está a situação por aí, nem banheiro tem”, aponta a mãe. “Quando dá vontade de ir ao banheiro, eu me aperto, porque não pode. Tem que segurar até chegar em casa”, revela a estudante. A escola onde todos deveriam estudar está em reforma. E, por ora, não é só estrutura que falta. O professor de Eduarda e Darielma não apareceu para dar aula. “A gente vem para estudar, chega e não tem aula. A gente tem que acordar cedo, cedinho, tomar banho, se arrumar, vir para o colégio. Chega, não tem e volta”, enumera a estudante Darielma Vilhena Pinheiro, de 12 anos. Os alunos da sétima série também não vão ter aula, que seria de matemática. Prestes a terminar o ensino fundamental, eles já deveriam dominar frações, equações do primeiro grau e resolver problemas básicos de trigonometria, mas ainda tropeçam na tabuada do antigo primário. “Três vezes quatro, 16!”, erra um garoto. E também têm dificuldades em outras matérias. “Não tenho a mínima ideia até aqui de quem foi Cristóvão Colombo”, admite uma menina. De acordo com as metas estabelecidas pelo movimento Todos pela Educação, os alunos dessas duas cidades do Pará tiveram um desempenho muito abaixo do esperado nas avaliações do MEC. Na Prova Brasil de matemática, menos de 1% dos estudantes da oitava série de Vigia teve nota superior a 300 pontos, em um total de 500. Todos os outros estão abaixo do nível de aprendizagem mínimo. A expectativa era de que 15,82% conseguissem a pontuação. Em Colares, 1,85% dos alunos da quarta série fizeram mais do que 200 pontos, a nota mínima na prova de português. Bem menos do que os 13,11% esperados. Números que se explicam com uma olhada nos cadernos das crianças: o professor viu a palavra "vizinha" escrita com a letra "s" e marcou resposta certa. A baixa qualidade do ensino é a terceira maior preocupação dos entrevistados pela pesquisa Ibope Inteligência sobre os problemas da educação pública, com 33%. Em São Paulo, a professora da quinta série Maria de Fátima Santiago precisa dividir a classe. Enquanto um grupo trabalha interpretação de texto, outro aprende a formar palavras. “A gente encontra alunos em outras classes que não escrevem nada, ou então aqueles que são copistas. Você passa a apostila e ele é capaz de escrever o texto, mas, na hora em que você pede para ler, ele não lê nada do que ele escreveu”, descreve a professora. “A gente tem que se ajudar, a gente tem que ter calma, paciência”, acredita a estudante Larissa Gabriela Chagas, de 10 anos. Mas chega uma hora em que não há como esconder as lacunas no aprendizado. Neste ano, Fabiana, Jéssica e Tamires vão enfrentar o mais rigoroso dos testes: o vestibular. E elas sabem que estão em enorme desvantagem em relação aos alunos de escolas particulares. ”Escola pública, todo mundo pensa: escola pobre, de pobre, não faz nada, não presta para nada, não aprende nada”, diz a estudante Tamires Jesus de Lucena, de 17 anos. Para o especialista em educação Simon Schwartzman, é difícil apontar o que é mais urgente para melhorar a educação. ”Acho que é importante valorizar o professor, capacitar melhor o professor, é importante garantir que o ambiente da escola seja um ambiente seguro e agradável, para que a criança possa sentir interesse em estar ali, é importante que a criança possa ficar mais tempo na escola. No Brasil, hoje em dia, a criança fica muito pouco tempo e não é o suficiente para aprender. Enfim, acho que são várias coisas que têm que ser feitas ao mesmo tempo”, avalia. É um desafio que pode levar muitas gerações, mas Claudiléia, do começo da nossa história, tem pressa. “Há muitas pessoas que querem estudar, têm vontade. Há umas que não. Eu tenho muita vontade de estudar. Quero fazer faculdade de medicina. Mesmo com essa dificuldade toda, vou conseguir, um dia a gente chega lá”, torce.
Globo.com
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